segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Máquina de escrever

O que há neste instante? Há uma máquina de escrever à minha frente e posso ouvir o ecoar das teclas secas, no quente e claro dia.

O que há muito me pertenceu se faz por um momento distante. Há uma coisa dentro e dentro que obedeço totalmente neste encontro com o objeto. Vejo-o de cima.

Desde muito cedo contemplava a movimentação que fazia com a máquina de escrever. Sabia vagamente que havia alguma coisa que o silêncio era urgente, mas não fixava meu pensamento nisso; eu era de uma perfeita inocência.

Baixo a cabeça, as pálpebras, decidida a não mais erguê-las a me desviar da influência do ecoar das teclas que insistiam em não cessar, mas a distração me invadia, e sabia momentaneamente o que estava acontecendo.

Levanto ao acaso a cabeça, abro os olhos e num breve momento, numa sensação súbita e suave, a luminosidade sorria no ar.

Não sei contar, como não se sabe contar várias coisas do mundo. É indizível o que aconteceu em forma de sentir.

A máquina encantadora se destacava no móvel escuro no canto do quarto como uma revelação de uma estrelícia; parecia iluminada por si mesma, com sua agressividade de amor e de sadio orgulho, para criar a luz, mais do que para recebê-la.

Olho a máquina. É preciso parar de escrever, não porque me faltam palavras, mas porque o que vi e não escrevi não se diz. Então paro. Calo.


21-10-2004 18h30